O contrato como espelho da autoestima
- Lídia Alves

- 14 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de nov.

Você já parou para analisar seus contratos? Não apenas as letras miúdas ou cláusulas técnicas, mas o que eles realmente dizem sobre como você se enxerga como profissional? Para a maioria das mulheres que trabalham como profissionais liberais, essa reflexão pode ser reveladora e até desconfortável.
A realidade é cristalina: mulheres profissionais liberais não têm problema em trabalhar duro. Psicólogas que estendem sessões além do tempo, advogadas que revisam casos nos fins de semana, consultoras que entregam mais do que o combinado. O problema surge na hora de cobrar o justo pelo trabalho realizado.
E esse problema aparece de forma mais evidente onde? No contrato.
Segundo pesquisas sobre empreendedorismo feminino, mulheres tendem a cobrar menos que homens por serviços equivalentes, muitas vezes acreditando que precisam reduzir preços para garantir e manter clientes. Como explica Ana Fontes, líder do maior grupo de empreendedoras do Brasil: "Muitas profissionais oferecem serviços de graça porque querem ser aceitas. Elas são muito rigorosas consigo mesmas".
O contrato é mais do que um documento jurídico: ele é uma declaração de posicionamento. Como um espelho, ele reflete o que você tolera, o que considera justo e, principalmente, o quanto se respeita como profissional.
Existe uma conexão direta entre precificação, estabelecimento de limites e áreas do cérebro relacionadas à autoestima e autoconfiança. Quando uma profissional não consegue colocar seus limites e valor real no papel, ela envia uma mensagem inconsciente de desvalorização, tanto para o cliente quanto para si mesma. É como tentar negociar com um espelho quebrado: a imagem que você projeta já está distorcida desde o início.
As armadilhas de um contrato frágil
Na prática jurídica, essa desvalorização se materializa de formas muito específicas:
Cláusulas frágeis ou inexistentes que não protegem adequadamente a prestadora de serviços. Como uma casa sem portas, ficam vulneráveis a interpretações dúbias e conflitos futuros.
Ausência de multa por descumprimento ou atraso de pagamento. É como emprestar dinheiro sem prazo de devolução: a boa intenção se transforma em problema.
Falta de previsão de reajuste anual dos valores, fazendo com que os honorários percam valor ao longo do tempo pela inflação.
Omissão sobre escopo de entrega, criando margem para que clientes exijam serviços adicionais sem custo extra.
Ausência de cláusulas de confidencialidade que protejam informações sensíveis compartilhadas durante a prestação do serviço.
Esses contratos funcionam como uma armadura com furos: protegem o cliente, mas esquecem completamente de proteger quem presta o serviço.
Um contrato que valoriza a profissional deve conter elementos essenciais que garantem segurança jurídica e financeira.
O custo emocional de não se proteger
Contratos mal estruturados geram consequências que vão além do financeiro. Profissionais liberais relatam aumento nos níveis de estresse e ansiedade quando não conseguem estabelecer limites claros com clientes.
A sensação de "trabalhar muito e ganhar pouco" corrói a autoestima profissional, criando um ciclo vicioso onde a pessoa aceita condições cada vez piores para manter os clientes. É como aceitar migalhas quando se merece o pão inteiro.
Estabelecer um contrato sólido vai além da proteção jurídica. É um ato de amor-próprio profissional. Quando uma mulher delimita claramente seus termos de trabalho, ela está comunicando seu valor ao mercado e, mais importante ainda, reafirmando esse valor para si mesma.
O processo de autoconhecimento e estabelecimento de limites permite que as mulheres "reconheçam seu valor, recuando também diante a propostas de trabalho e relacionamentos abusivos".
Ter um contrato bem estruturado não é "ser difícil" ou "complicada". É ser adulta no próprio negócio. É escolher se posicionar de forma estratégica no mercado, protegendo tanto seus interesses quanto sua sanidade mental.
"Faça todos os esforços para mudar as coisas que você não gosta. Se você não pode fazer uma mudança, mude a maneira como você tem pensado. Você pode encontrar uma nova solução."
Maya Angelou



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