Como resolver antecipadamente o contrato com a construtora e proteger seu investimento.
- Lídia Alves
- 12 de mai.
- 6 min de leitura
Atualizado: 30 de jun.
A teoria do inadimplemento antecipado e a resolução de contratos imobiliários.

Você contratou uma construtora, pagou parte do valor, confiou no cronograma... mas a obra nem começou. Pior: está a poucos meses do prazo final — mesmo contando com a famosa “cláusula de tolerância”. E agora, o que fazer?
Muitas pessoas pensam que precisam esperar o prazo contratual acabar para só então tomar medidas legais. Mas isso é um erro. O Direito oferece uma saída estratégica: o inadimplemento antecipado, também conhecido como inadimplemento anterior ao termo.
Neste artigo, explico como resolver o contrato com a construtora antes do prazo e proteger seu investimento.
1. Espécies de inadimplemento
Existem duas espécies de inadimplemento: absoluto e relativo. Cada uma dessas espécies pode ser de caráter total ou parcial.
No inadimplemento absoluto total, a obrigação é completamente descumprida, diferente do parcial em que a obrigação é cumprida, porém em partes. Por exemplo, no inadimplemento absoluto total, a obra não é entregue, já no parcial, a obra é entre, porém entregue faltando o acabamento, caso tenha sido contratado.
2. O que é inadimplemento antecipado?
O inadimplemento antecipado ocorre quando uma parte demonstra, por ações ou declarações, que não cumprirá suas obrigações contratuais no prazo estipulado. É a situação em que, mesmo sem o término do contrato, fica evidente que uma das partes não conseguirá cumprir suas obrigações (inadimplemento absoluto). No caso das construtoras, isso acontece quando:
Redução significativa da equipe. Quando uma obra que mantinha 50 trabalhadores passa a ter apenas cinco operários em poucas semanas, isso pode indicar problemas financeiros graves da construtora.
Paralisações frequentes e injustificadas. Uma obra que para frequentemente sem justificativas técnicas adequadas pode demonstrar que a construtora não possui recursos suficientes para manter a continuidade dos trabalhos.
A obra não foi iniciada dentro de um prazo razoável, mesmo antes do vencimento do contrato.
Faltam menos de 6 meses para o fim do contrato, mesmo com o prazo de tolerância.
Ausência de materiais e equipamentos. Quando a construtora não consegue manter o fornecimento regular de insumos básicos da construção, isso demonstra problemas de fluxo de caixa ou dificuldades com fornecedores.
A construtora declara explicitamente que não entregará o imóvel.
Interrupção da construção sem justificativa, inviabilizando a conclusão no prazo. Quando há ausência total de movimentação no canteiro por períodos prolongados, especialmente superiores a 30 dias, caracteriza-se tecnicamente como abandono de obra.
Questões legais e processuais. Informações sobre processos judiciais movidos contra a construtora, especialmente relacionados a outras obras ou descumprimento de contratos, podem indicar um padrão de inadimplência.
Bloqueios judiciais de contas bancárias ou bens da empresa são indicadores graves de problemas financeiros.
Ou seja, não se trata de simples atraso, mas de provas claras de que a obra não será entregue.
O suporte fático objetivo é a manifestação expressa ou tácita de descumprimento. O comportamento da construtora gerou a perda da utilidade da prestação. Já o suporte fático subjetivo é a culpa da construtora, ou seja, o fato da obra não ser entregue conforme o contrato se deve totalmente por causa da construtora.
3. Fundamento jurídico: o que diz a legislação?
Os fundamentos jurídicos para a rescisão contratual são encontrados no Código de Defesa do Consumidor ( CDC) e no Código Civil ( CC).
3.1. Aplicação do CDC nas relações de consumo com incorporadoras
No âmbito da incorporação imobiliária, a relação entre compradores e incorporadora é regida pelo Código de Defesa do Consumidor ( CDC), já que o adquirente figura como destinatário final do produto (imóvel) e a incorporadora atua como fornecedora de serviços e bens imobiliários.
De acordo com a Súmula 83 do STJ, “o Código de Defesa do Consumidor atinge os contratos de compra e venda nos quais a incorporadora se obriga a construir unidades imobiliárias mediante financiamento”. Assim, os adquirentes gozam de todas as proteções do CDC, em especial:
Responsabilidade objetiva: a incorporadora responde objetivamente pelos vícios e danos decorrentes da construção, independentemente de culpa, bastando demonstrar o fato, o dano e o nexo causal (art. 14 do CDC).
Dever de informação e transparência: conforme arts. 6º, III, e 31 do CDC, a incorporadora deve fornecer informações claras e adequadas sobre cronogramas, custos adicionais e condições contratuais. Cláusulas que transfiram ao consumidor encargos sem quantificação prévia são abusivas e podem ser declaradas nulas.
Proteção contra práticas abusivas: o CDC veda cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51), como retenções elevadas em caso de distrato. Na hipótese de rescisão por culpa exclusiva da incorporadora, a Lei 13.786/18 (“Lei do Distrato”) deve ser interpretada em diálogo com o CDC, assegurando ao consumidor a devolução integral e imediata dos valores pagos.
Ação de indenização e execução de garantias: além da rescisão contratual, o consumidor pode pleitear indenização por perdas e danos (art. 6º, VI, CDC), lucros cessantes e danos morais. É possível ainda acionar seguros, cauções e demais garantias contratuais oferecidas pela incorporadora.
3.2. Aplicação do Código Civil nas relações contratuais com incorporadoras
O Código Civil brasileiro permite a rescisão antecipada do contrato com base nos arts. 475 e 476, reforçado pelos princípios da boa-fé objetiva (art. 422) e da função social do contrato (art. 421).
Além disso, a jurisprudência já reconhece que, em situações como essa a depender dos fatos e provas, o consumidor pode rescindir o contrato com a construtora, evitar novos pagamentos, exigir indenização por perdas e danos e executar garantias contratuais, como seguros e cauções.
A Lei do Distrato (Lei nº 13.786/2018) complementa essa proteção, estabelecendo regras específicas para contratos de incorporação imobiliária e parcelamento de solo urbano. Nos casos de rescisão por culpa exclusiva da incorporadora, a Súmula 543 do STJ garante ao consumidor a devolução integral e imediata dos valores pagos.
4. Como agir na prática?
Se você identificou que a obra não vai sair do papel, mesmo com o prazo em curso, é hora de agir juridicamente. Veja o passo a passo:
Documente tudo – registre a ausência de obras com fotos, vídeos, atas, e-mails ou notificações;
Notifique a construtora extrajudicialmente sobre o descumprimento;
Tenha em mãos os comprovantes de pagamentos;
Entre com ação judicial, se necessário, para rescisão do contrato e reparação dos prejuízos.
5. Por que não aguardar o término do prazo contratual?
Aguardar o término do contrato quando já está evidente seu descumprimento pode gerar prejuízos significativos:
Risco patrimonial: a construtora pode entrar em falência, dificultando drasticamente a recuperação dos valores investidos.
Insuficiência de lastro: a empresa pode não dispor de patrimônio suficiente para ressarcir todos os contratantes simultaneamente.
Agravamento dos danos: o prolongamento da situação pode intensificar os prejuízos materiais e morais sofridos.
Perda de oportunidades: o tempo perdido pode significar a impossibilidade de investir em alternativas mais seguras.
Aguardar o término do contrato quando já está claro que ele não será cumprido pode gerar prejuízos.
A teoria do inadimplemento antecipado e a Lei do Distrato equilibram a relação entre construtoras e compradores, priorizando a segurança jurídica e a boa-fé.
6. 'Due diligence' (diligência prévia) contratual como prevenção a golpes de construtoras e preparação para litígios
Para o advogado contratualista, a due diligence não se limita à análise de cláusulas contratuais: ela é a principal ferramenta de prevenção a fraudes imobiliárias e garante a robustez das ações judiciais.
Primeiro, realiza-se a verificação documental completa da construtora e do empreendimento, incluindo:
Matrícula do terreno e certidões negativas de ônus e ações judiciais, confirmando a titularidade e existência de gravames.
Licenças e alvarás de construção, assegurando que a obra está regular perante órgãos públicos.
Contratos de empreitada e projetos aprovados, identificando cláusulas abusivas ou omissões que possam indicar golpe.
Consulta a processos judiciais em curso contra a construtora — ações de execução fiscal, recuperações judiciais ou disputas contratuais que possam sinalizam alto risco de inadimplemento.
Análise de eventuais embargos ambientais ou administrativos que possam paralisar a obra.
Por fim, toda essa investigação alimenta a estratégia de litígio, pois os documentos obtidos (fotos datadas, e-mails de cobrança, laudos técnicos) estruturam provas consistentes para postular o inadimplemento antecipado ou a rescisão contratual.
O mapeamento prévio de processos judiciais e ônus serve para embasar pedidos de tutela antecipada ou bloqueio de bens, tornando a atuação judicial mais eficiente e segura.
Referências Bibliográficas:
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento Anterior ao Termo. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
GOMIDE, Alexandre Junqueira. Risco contratual e incorporação imobiliária. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.
NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
Por Lídia Alves
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